Qual a importância de políticas públicas para egressos do sistema prisional?
- ongsomos
- 9 de set.
- 4 min de leitura
Políticas públicas para egressos do sistema prisional: desafios, reinserção social e inclusão de pessoas LGBTI+

Sair do sistema prisional não significa, necessariamente, estar livre. Para milhares de pessoas no Brasil, o momento da saída é apenas o início de um novo ciclo de barreiras sociais, preconceitos e falta de oportunidades.
É nesse ponto que as políticas públicas voltadas para egressos tornam-se decisivas: sem elas, a reinserção social se torna quase impossível, e a chance de reincidência aumenta.
Segundo levantamento do então Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), de 2022, a taxa de reincidência no Brasil varia de 37,6% a 42,5%. Ou seja, quase metade das pessoas que deixam o sistema prisional acabam voltando para ele. Não por escolha, mas pela ausência de suporte.
Como afirma o Diretor Executivo da ONG Somos, Caio Klein: “A ideia principal é que, ao oferecer suporte e oportunidades para a reintegração social, o Estado e a sociedade diminuem a probabilidade de que a pessoa cometa outro crime”.
A trajetória de Rodrigo Sabiah, idealizador da Associação Reciclando Vidas e egresso do sistema prisional, é um exemplo vivo de como oportunidades reais podem transformar destinos.
Após sair da prisão, Sabiah encontrou na reciclagem uma das poucas alternativas possíveis para recomeçar. Foi a partir desse trabalho que ele conseguiu se sustentar, conquistar dignidade e acessar espaços de reconhecimento social.
Atualmente, lidera uma iniciativa que acolhe e apoia outras pessoas egressas, mostrando que investir na reinserção social não é apenas uma questão individual, mas um ganho coletivo.
“A pessoa sai do sistema penitenciário com uma mão na frente e outra atrás, não sabe onde procurar ajuda, onde procurar um apoio... como se recolocar no mercado de trabalho e para poder se situar diante da sociedade”, conta Sabiah.
O peso extra para pessoas LGBTI+
Se o desafio já é grande para a população em geral, para pessoas LGBTI+ a reinserção carrega obstáculos adicionais. O preconceito, a violência e a exclusão se somam à estigmatização do cárcere.
As pessoas LGBTI+ privadas de liberdade vivem uma realidade marcada por violências múltiplas e sistemáticas. O Relatório Nacional de Inspeções da População LGBTI+ Privada de Liberdade no Brasil, realizado pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) em parceria com a ONG Somos, aponta que essa população enfrenta tortura psicológica constante, restrições na expressão de gênero e assédio por parte de outros detentos e até de agentes do sistema prisional
Além disso, o documento evidencia a dificuldade de acesso a direitos básicos, como saúde, uso do nome social e políticas de afirmação de gênero, revelando um cenário de abandono institucional que amplia ainda mais a vulnerabilidade dessas pessoas.
Isso significa menos acesso a emprego, a políticas de acolhimento e a espaços de cuidado. Nesse cenário, projetos que aliam formação, articulação de rede e advocacy têm papel fundamental para transformar trajetórias.
Conheça o Projeto Passagens
O Projeto Passagens – Rede de Apoio a LGBTs nas Prisões, financiado pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos, nasceu em 2018 com a missão de enfrentar as violações de direitos humanos sofridas por pessoas LGBTI+ privadas de liberdade.
Desde então, a iniciativa se consolidou como uma referência nacional ao criar espaços de escuta com pessoas presas, produzir diagnósticos sobre o tratamento penal e realizar formações em gênero e sexualidade para profissionais do sistema prisional.
A proposta parte do reconhecimento de que classe, raça, gênero e sexualidade são determinantes de como o sistema de justiça criminal atua: quem ele prende, como trata e quais trajetórias invisibiliza.
Ao longo dos anos, o Passagens vem ampliando sua atuação ao articular incidência política, mobilização social e produção de conhecimento. O trabalho não se limita ao cárcere: ele promove a construção de redes de solidariedade e mecanismos de reparação que valorizam as vozes e experiências de pessoas LGBTI+ que enfrentam diariamente a exclusão institucional.
Passagens: Porta de Saída
Em 2024, a iniciativa avançou ainda mais com a criação do Passagens: Porta de Saída, voltado para a reinserção social de pessoas egressas e pré-egressas (até 180 dias antes da liberdade).
O projeto é estruturado em quatro eixos:
Comunicação: campanhas com familiares e egressos para ampliar o debate sobre políticas públicas e visibilizar a ausência delas.
Advocacy: construção de protocolos e políticas estaduais para atendimento a pessoas LGBTI+ egressas.
Educação: criação de relatórios, pesquisas e um curso de capacitação em parceria com a UFRGS, voltado para pessoas egressas e pré-egressas do sistema prisional, formando-as como educadoras sociais para apoiar a reinserção.
Articulação da rede socioassistencial: mobilização conjunta com instituições para garantir atendimento e reserva de vagas no mercado de trabalho.
Na prática, isso significa abrir portas reais. Como explica o Assistente de Coordenação e Mobilização do projeto, Ariel Bertoni, o Porta de Saída é um projeto que surge para ampliar ainda mais o trabalho da Somos junto à justiça criminal.
“O projeto tem como objetivo a reinserção social de pessoas LGBTI+ que estão ou estiveram privadas de liberdade, e funciona em três frentes: qualificação no atendimento prestado à população egressa, incidência para ampliação do debate público sobre direitos das pessoas egressas e capacitação profissional e inserção no trabalho.”, explica Bertoni.
Além de capacitar, o projeto busca construir um fluxo de atendimento que articule políticas públicas, mercado de trabalho e sociedade civil, criando um ecossistema mais justo para quem retorna à liberdade.
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